07 janeiro 2016

Ainda sou Charlie

Faz hoje um ano que Paris sofreu com os ataques terroristas ao Charlie Hebdo. Depois de três semanas já ninguém quis ser Charlie, mas não é sobre isso que escrevo hoje. Escrevo como francês, como fanático da liberdade de expressão e como membro da Ordem, um admirador de boas sátiras, sejam de que país, formato, religião e cultura que sejam provenientes. Porque Charlie merece ser recordado para sempre, tal como outros que fazem o que Charlie faz, para que nunca nos esqueçamos que foi para isto, também, que se fez o 25 de Abril: ninguém tem o direito de calar ninguém.

A 7 de Janeiro de 2015, numa chuvosa quarta-feira que cá em Braga prometia ser académica, explode o pânico em Paris: fanáticos religiosos guiados por um "Islão" malicioso e obsoleto irrompem pelo nº 10 da Rue Nicolas Appert, em Paris, França, por volta das 11h30 (hora local). No misto de confusão e terror, caem cinco “guerreiros da caneta” - Cabu, Wolinski, Charb, Tignous, Honoré – entre civis e polícias que apenas tiveram o azar de estar presentes no momento errado, no local errado. Isto tudo porquê? Porque uma caricatura de Alá ofendeu certas pessoas. Charlie Hebdo estava então caído, mas não derrotado: na semana seguinte, Charlie publica, inteligente e ironicamente, que “Tout est pardonée”. Tenho a pensar quanto espero que os dois guerreiros de Alá estejam confortáveis no seu Além, rodeados daquilo que foram prometidos: abundância em riqueza e virgens. Caso contrário, foi só realmente jogar Counter-Strike contra bots indefesos, mas na vida real.


Edward Bulwer-Lytton escreveu, em 1839: “the pen is mightier than the sword”, e a ideia principal que Charlie quis transparecer com a sua publicação pós-ataque foi mesmo essa. Mil mortes não podem matar uma ideia ou um ideal, se os que ficam vivos não deixarem morrer a ideia com os caídos. Não é com demonstrações de solidariedade e afeto em público que suportamos e convalescemos ideais liberais sobre a qual grande parte do mundo está sob, e os restantes tanto lutam para obter, mas sim com demonstrações de proatividade e irreverência; nunca se calem, se o que tiverem para dizer é importante. E mesmo que não seja importante não se calem, porque vocês podem. Que nós, Ordem Profética, sejamos uma inspiração para vocês. Nunca nos ouviram calar, nunca nos ouvirão calar, pois só se calam os desinteressados, os desinformados e os eternos vassalos. Como um Profeta um dia disse: “quem se contenta à vassalagem, nunca passará do pequenismo.”

Um ano depois, Charlie continua vivo e de boa saúde. Um ano depois, Charlie não teve medo de se expressar contra o ataque sofrido, de forma inteligente e irreverente como sempre o fizeram: com ilustrações satíricas engraçadas e de bom gosto. Charlie provou, um ano depois, que a liberdade de expressão está viva para quem a quiser.


Que todos sejam Charlie, para sempre, em toda a parte, porque caso contrário estaremos apenas a viver sob a ilusão de liberdade e seremos apenas versões mais vestidas e melhor equipadas dos escravos dos séculos anteriores. E não se esqueçam que não precisam de força para mostrar a vossa ideia, mas sim de inteligência, brio, irreverência, e um toque de classe, que nunca fez mal a ninguém. E se querem melhor exemplo que Charlie, não se esqueçam de olhar para Portugal de 1974, que fez uma revolução com cravos, porque sei que às vezes um exemplo caseirinho é melhor que um exemplo estrangeiro. Ou então os estrangeiros é que são fixes e bons. Como quiserem, fica à vossa escolha.

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