Dia do Trabalhador: O Regresso dos que Nunca Foram
Costuma-se dizer que as crises são tempos de oportunidade, e se as cartas forem bem jogadas vai dar merda… para os trabalhadores, porque esta crise será apenas mais uma chance para algumas empresas. Numa altura em que os direitos dos trabalhadores estão cada vez mais protegidos, levanta-se a questão: fará sentido celebrar este dia? Os nossos protetores respondem a esta pergunta e, vão mais além, quando tentam enganar os mais atentos. Usam a linguagem, mãe (re)educadora, para poder restringir ou condicionar o pensamento, com falsas premissas e falsas conclusões, levando a aceitar como positivas coisas que são eminentemente negativas. A velha expressão de Orwell - "guerra é paz, escravidão é liberdade, ignorância é força" - ilustra perfeitamente esse efeito. Mas talvez seja injusta esta análise. Que importam as palavras usadas?
Foquemos então no concreto: a nova medida do Governo, o lay-off simplificado. Um regime remodelado que permite suspender o contrato de trabalho ou reduzir o período normal laboral, com cortes salariais e apoios do Estado. Os 900 mil trabalhadores independentes ou por conta de outrem abrangidos pelo lay-off esperam o apoio financeiro do Estado, através das medidas de apoio ao emprego e às famílias. Para tristeza de muitos, aquilo que apresentaram como "apoio" é um mero atropelo das regras que já estavam mal estabelecidas.
Em contrapartida, quem não terá essa sorte são os trabalhadores que tenham contrato a termo ou os que estão em regime de recibos verdes, que sentem na pele o verdadeiro significado desses “apoios” – inclusive os que estão a ser assediados para interromper a quarentena e/ou que trabalharam na época da Páscoa. Esta medida tem em vista um objetivo puramente económico, contrário ao período em que vivemos onde foi pedida uma maior contenção às pessoas, nomeadamente, no que toca às deslocações que foram restringidas ao essencial. O “Vírus da Ganância e do Lucro” está de tal modo enraizado, que parece mais difícil de combater que o próprio COVID-19. E se este vier a ser difundido pelos órgãos de comunicação social, terá um efeito branqueador das ações do Governo e dissolvente das memórias dos governados. Como afirmava o célebre mestre de propaganda Joseph Goebbels, se uma mentira for repetida mil vezes, tornar-se-a verdade.
Fora do foco de atenção estão, por exemplo, os trabalhadores do Gota Açucarada/Geronimoh Antunes que, em quarentena e com filhos menores, são obrigados a ir trabalhar porque a empresa alargou o horário de abertura, aumentou o número de clientes dentro das lojas e ainda impôs ritmos de trabalho de 10 horas diárias, como denunciado pelo CESP - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio e Serviços. Esta medida demonstra um total respeito pelo direito à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, pelo direito ao repouso e ao limite máximo da jornada de trabalho. Quem se queixa da falta de apoio à Cultura não estará certamente a par das lindas palavras com que os nossos políticos embrulham as suas decisões em propaganda, no sentido mais primário e convencional dos termos, que são na verdade um disfarce para que as coisas abusivas se façam passar por decisões justas e benéficas.
Tendo em conta esta nova linguagem de trabalho, que será sinónimo de mais desemprego, fica a dúvida se estas "medidas temporárias" significarão, de facto, "medidas complementares" com caráter definitivo.É duvidoso o uso destas medidas quando contrapomos com o nosso dicionário e verificamos que, de maneira subtil, o despedimento ganhou o significado de “lay-off ou dispensa”, a maior parte dos trabalhadores chamam-se agora de “colaboradores ou estagiários” e, o mais escandaloso, o despedimento coletivo que na verdade se apelida agora de “downsizing”. No fundo, é uma maneira de mascarar as coisas e tirar-lhes a carga negativa. Se a História é feita de ciclos prevê-se que para o ano teremos ainda mais razões para festejar o Dia do Trabalhador neste mundo saturado de informação e de contra-informação. Se não for traduzida esta linguagem, a verdade acabará desvanecida e, em breve, para a generalidade das pessoas ficará apenas a versão oficial, ou seja, uma mentira mil vezes repetida, sem qualquer direito para os trabalhadores no dia em que se festejam tais “feitos”.