Eis que vos contamos hoje a
lenda do Profeta Martinho, celebrado a 11 de Novembro. Faz muitos anos que, numa madrugada chuvosa de quinta-feira, em que o Sol insistia em não aparecer, e ainda ressacado da boémia da noite findada, o Profeta Martinho abrigou-se no Chibaria. Consolou-se com pãezinhos de queijo e chouriço, pois de estômago cheio aguenta-se melhor o frio. E são mesmo bons.
Ora, prestes a finalizar a refeição, o Profeta lembrou-se que estacionou a sua equídea viatura quadrúpede em local distante. Eram sete e vinte e Martinho tinha uma consulta no médico às oito, portanto engoliu os dois pãezinhos que restavam e pôs pés ao caminho.
Coberto sob um manto roxo, o Martinho enfrentou a chuva impiedosa. No caminho, ouviu uma voz chamá-lo. Uma voz grave e rouca. Lá vem o Tinoco, pensou. Começou à procura de trocos no bolso, pois os bons valores cristãos o tinham ensinado a partilhar. De repente, uma mão agarrou-lhe o braço. Era uma mão feminina. Levantou os olhos do bolso e percebeu então que era, afinal, uma bela jovem de rouca voz. Os seus sedosos cabelos e roupas estavam encharcados, o seu semblante grave e triste. “Ai esta chuva! Tenho tanto frio… Estou tão molhada…” – queixou-se. O Profeta, sempre sábio, respondeu-lhe: “Não temas, menina, pois o Sol em breve virá para iluminar os teus passos.”. Sucede que o Profeta Martinho tinha visto no site do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, no dia anterior, que às oito da manhã o céu estaria aberto, vento fraco com direção para sudoeste. Generoso, colocou o seu manto sobre a rapariga e esperou com ela pelo bom tempo. A jovem, carente de calor, agarrou-se ao Profeta.
Os minutos passavam e a estrela solar teimava em não revelar-se. “Raios parta a metereologia, falha mais que os autocarros da AAUM”, pensou. Passado cerca de meia hora, impaciente, o Profeta desistiu. Telefonou ao centro de saúde a cancelar a consulta e convidou a rapariga para o acompanhar até casa. À chegada, disse-lhe: “tiras as tuas vestes, não prometo que fiques menos molhada mas hoje serei o teu sol”. E, assim, ambos se aqueceram no leito profético. A jovem saiu da casa do Profeta profundamente agradecida e a todos contou o milagre que tinha presenciado: “o Profeta trouxe o Sol e o verão, aqueceu-me o coração! Olhai este homem, possuidor de milagrosos poderes!”. As amigas ficaram impressionadas e, invejosas, comentavam entre si quando a rapariga não estava.
Nos próximos anos, muitas foram as que imploraram pelo Sol do Profeta Martinho e foram brindadas com o mais intenso calor. Até que, um ano, o bom tempo surgiu mesmo em Novembro. Houve incêndios e o Profeta Martinho, famoso pelo seu Sol de outono, foi culpado da tragédia. Outrora um homem venerado pela plebe, foi apupado no seu julgamento e condenado à forca.
Moral da história: não deixes que circulem as tuas histórias e, acima de tudo, cuidado com o que desejas.